domingo, abril 30, 2006

From: Rita

Legenda: Denis, Breno, Iago e Hevi

"No Rio de Janeiro, três meses, numa favela chamada ironicamente, ou não, Final Feliz...Porque há sempre lugares para sonhar.

Porque o melhor dos mundos é o mundos dos afectos. Porque o verdadeiro milagre de Deus é simples: quanto mais partilhamos mais temos. A simplicidade de um sorriso vence dores e silêncios magoados. Quanto mais damos mais recebemos, compreendo agora que aqu
i não ensino, aprendo. Aprendemos na simplicidade, na generosidade, na luz de quem acredita que a alegria é possível...mesmo nos rostos mais fechados de crianças que sabem que sonhar é provavelmente só para os outros. Crianças feridas não só por fora, mas por dentro. Morro e vivo aqui todos os dias, cada dia, num tempo que se multiplica infinitamente. Sou daqui. Sou feliz aqui...mesmo quando vejo queimaduras nas mãos da minha Ingrid ou buracos fundos de pregos nas pernas da minha Hevi, sou feliz de lágrimas nos olhos, acreditando que cada dia posso fazer nascer um sorriso novo, de esperança, de quem acredita que a alma sempre pode ser descoberta numa espécie de milagre... É qualquer coisa que não é da ordem do dizível que aqui me dói, não é sequer a alma, mas algo como as entranhas, a carne, um arrepio de uma dor que é na verdade uma sensação nova. "Como te magoaste?" "Um prego em casa, tia...", ou simplesmente um baixar de olhos quase envergonhado pela dor de quem não tem culpa... Sempre um prego. Impossível. É o coração que a Ingrid hipoteca na mão e é o coração que a Hevi exibe no pé, obviamente. Um coração com pregos. Evidentemente.

Escapa-me qualquer coisa neste mundo novo... a alegria infantil, à maneira de Pascoaes, fica reduzida nestes rostos a uma espécie de alegria desesperançada, ingénua mas não feliz. Como se houvesse um outro lado desta cidade e eu estivesse lá... fora mesmo que dentro.

O Rio não é um lugar para viver, é um lugar para
sentir. Para mim não é sequer propriamente uma escolha, é uma necessidade decidida. Deixo bocados de mim pelo morro sujo que subo com o coração todos os dias, debaixo de um sol sem generosidade nenhuma, descobrindo que a pobreza também tem cheiro, vendo pés descalços e sujos de quem sabe que atrás de si aparece um abraço gritando "Tia" em redor da minha cintura... "Tia, volta amanhã, não volta?" Volto. Mesmo que não apareça jamais partirei daqui. Há coisas que passam, outras não. Ficam como alicerces de tudo o que somos e podemos vir a ser... Sonhos resgatados num coração que se completa no sul do mundo!"

Rita Brandão Guerra



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