quinta-feira, setembro 03, 2009

Fábula...


Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um pirilampo. Ele fugia com medo da feroz predadora, mas a cobra não desistia. Um dia, já sem forças, o pirilampo parou e disse à cobra:
- Posso fazer três perguntas?
- Podes. Não costumo abrir esse precedente, mas já que te vou comer, podes perguntar.
- Pertenço à tua cadeia alimentar?
- Não.
- Fiz-te alguma coisa?
- Não.
- Então porque é que me queres comer?
- PORQUE NÃO SUPORTO VER-TE BRILHAR!!!

E é assim....

Diariamente, também nós tropeçamos em cobras!

segunda-feira, agosto 03, 2009

"As mulheres têm os fios deligados"

foto: Rui J Santos
Por estas e por outras é que eu simplesmente venero este homem (António Lobo Antunes):
“…e pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres. Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e nas gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça. Não se apaixonam: entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com que estão. Ignoram o que ela sonha, instalam-se no sofá do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar (chichi, sede, fome, a janela que se esqueceram de baixar o estore) ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas, pá, e a respiração dela faz-me comichão nas costas, a mania de ficarem agarrados à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo?...”

“- As mulheres têm os fios desligados e um outro elucidou-me que eram como os telefones: avariam-se sem que se entenda a razão, emudecem, não funcionam e o remédio é bater com o aparelho na mesa para que comecem a trabalhar outra vez. Meu Deus, que pena me dão as mulheres. Se informam – Já não gosto de ti se informam – Não quer mais aí estão eles a alternarem a agressividade com a súplica, ora violentos ora infantis, a fazerem esperas, a chorarem nos SMS e levantarem a mãozinha e, no instante seguinte, a ameaçarem matar-se, a perseguirem, a insistirem, a fazerem figuras tristes, a escreverem cartas lamentosas e ameaçadoras, a entrarem pelo emprego dentro, a pegarem no braço, a sacudirem, a mandarem flores eles que nunca mandavam flores, a colocarem-se de plantão à porta dado que aquela puta há-de ter outro e vai pagá-las, dispostos a partes gagas, cenas rídiculas, gritos. A miséria da maior parte dos casais, elas a sonharem com o Zorro, Che Guevara ou eu, e els a sonharem com o decote da vizinha de baixo, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que lá se deitam e os outros dois com quem sonham…”

António Lobo Antunes “As mulheres têm fios desligados” – Crónica na Visão

terça-feira, julho 28, 2009

Faz sempre bem recordar:

Pintor Danilo Gouveia (40 anos a pintar - 1960/2000)
Por entre uma crise de valores, onde nos confundimos e nem sabemos o que é certo ou errado, o que é simples ou complexo, o que é suposto ou o que é imposto. Quando nos aproximamos de mansinho do mundo das artes de hoje em dia e nos surpreendemos pela arrogância, vedetismo e pelas pedras que atiram a quem humildemente se quer aproximar, experimentar ou tentar fazer o que gosta.

Nos dias que correm onde já se perdeu a noção de talento para se dar lugar a ambição, e já perdeu a noção de simplicidade, compreensão e respeito pelo próximo para dar lugar a ganância e desrespeito. Quando aprendemos que para ganhar um lugar ao sol temos que apanhar muitos escaldões, e na maioria da vezes o melhor é nos metermos à sombra para não magoar muito o interior. Quando nem percebemos a razão das coisas, porque por uma questão naife, ingénua e talvez imatura ainda achámos que o mundo está cheio de pessoas seguras e boas, mas no entanto só se cruza com pessoas mal resolvidas.

Quando chegamos ao mundo dos crescidos a pensar que vão ser todos como aqueles bons exemplos que conhecemos ou que tivemos a sorte de crescer com eles por perto, e encontramos pessoas a quererem destruir antes sequer de tudo começar, ou impedir a entrada antes de sequer de chegarmos à porta, quando nos desiludimos com a vida…

Vivendo e escrevendo em completa antítese, na complexidade ou simplicidade dos opostos, quando aparece o mau procuramos o bom, quando aparece o complicado procuramos o simples, quando nos deitam ao chão procuramos uma corda para voltar a trepar. Sempre que me desiludo com as pessoas procuro ou tento me lembrar de um bom exemplo para não me desiludir, ou para a decepção passar depressa, por isso nos tempos que correm lembrei-me de um exemplo de um verdadeiro artista, faz-me voltar a acreditar, faz-me voltar a sorrir por me lembrar, encontrar ou reencontrar pessoas que valem a pena, e por isso fazem com a vida valha a pena…

Para me relembrar porquê é que sempre achei a vida das artes interessante aqui vai um pouco do que me fez gostar, interessar-me e neste momento, voltar a acreditar:

sexta-feira, março 27, 2009

E tem dito...

E ele olhou para mim do alto daqueles óculos de aros pretos, com o seu ar calmo e complacente e disse:

“Olhe…faça o favor de ser feliz!”



sexta-feira, março 20, 2009

Eu agi sempre...

Eu agi sempre,
Eu agi sempre para dentro
Eu nunca toquei na vida.
Nunca soube como se amava...
Apenas soube como se sonhava amar.
Se eu gostava de usar anéis de dama nos meus dedos,
É que às vezes eu queria julgar
que as minhas mãos eram de princesa.
Gostava de ver a minha face reflectida,
Porque podia sonhar que era a face de outra criatura.

Extraído do Livro do "Desassossego" de Fernando Pessoa


terça-feira, março 10, 2009

O Meu Cão Dourado!





Tinha um “black dog”, mas um “black dog” daqueles que parece que nos persegue a todas as horas do dia, um “black dog” que foi aparecendo aos poucos, por inúmeros motivos e me deixou assim, acompanhada por um “black dog”.
O “black dog” aos poucos parou de estar sempre presente, era por fases, às vezes estava presente, mas volta e meia voltava, ocupava um lugar em mim e não me deixava ver mais nada, impossibilitava-me de ver o bom da vida e preencheu em mim uma névoa pessimista.
Comecei a conseguir manda o “black dog” dar uma volta ao bairro de vez em quando, deixava a porta aberta e mandava-o embora, ele partia mas voltava, até um certo dia em que tudo mudou.
Um dia mandei o “black dog” dar uma volta pelo bairro e enquanto aproveitava os momentos em que ele não estava presente um cão dourado entrou-me pela porta de casa e subiu a rampa. Um verdadeiro cão dourado, solitário, com manchas de óleo no pêlo e um ar perdido.
O cão dourado sentou-se ao pé de mim, pediu umas festas no focinho para compensar ter sido enxotado por uma vassoura da casa da vizinha. Ali ficámos os dois, sentados, com o mesmo ar perdido. Olhei para ele e disse-lhe que tinha mesmo ar de Jorge, e tinha, ele retribuiu o olhar e fitou-me de língua de fora.
Primeiro pensei que aquele cão dourado não era meu e devia ter o seu dono, de certeza, o meu cão era preto, um “black dog”, não fazia companhia nem olhava para mim com aquela expressão. Por isso mesmo mandei o Jorge seguir o seu caminho, disse-lhe que voltasse para o seu dono mas ele ali ficou, dia após dia acordava, abria a porta e lá estava o cão dourado com cara de Jorge a olhar para mim.
O Jorge tinha uma coleira gasta e que mostrava que vivia algures amarrado, uma coleira de pulgas e não preferia ir para nenhum lugar senão estar ali. O Jorge passeava pelo bairro mas voltava sempre, sempre para mim, chegava contente por me ver e sentava-se ao meu lado, focinho no meu colo.
O “black dog” nunca mais voltou, e quando entra em mim um pouco de solidão, descontentamento olho para o Jorge e lembro-me que se ele se salvou, conseguiu encontrar o seu rumo depois de se perder, conseguiu encontrar um porto de abrigo depois de ter sido abandonado, conseguiu ser feliz depois de ser enxotado e desprezado, tudo é possível. Todos podemos trocar um “black dog” por um Jorge, o cão dourado.