sexta-feira, outubro 10, 2008

A Apresentadora...

“Olho para esta mulher e aquilo que me vem à cabeça é que

Algumas pessoas fazem o melhor que podem com aquilo que lhes é dado.


Conheci a Joana Homem da Costa há cerca de 3 anos, no dia em que chegou até mim com o firme propósito de tirar de dentro de si aquilo que lhe estava causar incómodo. Falámos durante muito, muito tempo, sobre estes incómodos, que se reflectiam nas situações do dia a dia e, sobretudo nos relacionamentos. Falámos muito tempo nos outros. O grande problema da humanidade: os outros.


E a Joana descreve brilhantemente esse tema num dos seus textos, Os outros. Aqueles que, supostamente, têm culpa de não nos sentirmos como gostaríamos de nos sentir. Desse texto, fica a sua frase: Porque o mais difícil é pensar que o que está constantemente a nos pôr em causa, somos nós mesmos.


A Joana, no seu livro, descreve este acontecimento de uma forma mais bonita do que eu, mas farei também o meu melhor. Um dia, pedi-lhe que escrevesse uma carta para alguém, onde colocasse tudo aquilo que pensava, sentia, tudo o que não tinha dito e gostaria de dizer. Falávamos horas a fio sobre aquilo, ela fazia monólogos consigo mesma, expressava a raiva e a insegurança, os medos, as tristezas. “A minha mente não pára, estou sempre a pensar no que foi, no que é, no que poderia ter sido, naquilo que pode vir a ser. E a encontrar forma de planear e estruturar tudo.”

Olhou-me de uma forma estranha, após o pedido, balbuciando um “vou tentar”, isto porque, apesar de pertencer a uma família de pessoas ligadas às letras, não era algo para que tivesse muito jeito. “Sou muito confusa”,disse-me.


Uma semana depois chegou com vinte folhas escritas, folhas essas que não precisámos de ler. Ficámos estupefactas, ambas. Eu, porque não me parecia que alguém que não gostava de escrever, porque não tinha jeito, escrevesse 20 folhas de uma carta que nunca seria enviada. Ela porque “não sabia que tinha tanto para dizer…” E descobria o alívio e a solução para colocar para fora aquilo que a incomodava. Escrever sobre isso.


“Descobri que quando saí cá para fora é mais fácil, e me organizo melhor.”


E depois a Joana começou a escrever.

Alguns anos depois surge de uma deambulação intensa sobre si mesma, de uma mente acutilante e ousada. De uma coragem da autora se por em causa e de colocar tudo em causa. Ela não se nega, não se subtrai das situações que a vida lhe trás, mas experiencia-se, questiona-se sobre o mundo, sobre o porque é que as coisas são o que são, como são. Sobre as regras que nos impomos e porque será errado mudá-las.


As metáforas que usa são-nos comuns, conseguimos olhá-las, identificar-nos com cada experiência, reflectir sobre as pequenas mudanças que nos recusamos a fazer, para não sairmos da nossa zona de conforto.

Diz a autora:


Fiz a cama, arrumei os armários por cores porque me organizo assim, é assim que eu sou, faz parte de mim, mas de vez em quando ainda coloco uma peça de roupa verde no meio das vermelhas só para ver o efeito.


Ao longo dos textos com que nos presenteia, podemos nem sempre concordar com ela, mas não podemos negar que nos toca, nos choca, nos ajuda a por em causa, nos faz questões que poucas pessoas nos fariam. Há quanto tempo não pensas?”


É com uma ponta de sarcasmo que nos fala da sociedade em que nos movemos, das relações que construímos e, mais uma vez, dos outros, aqueles a quem podemos sempre culpar se algo não dá certo.


É com simplicidade e sensibilidade que descreve a vivência de uma noiva a preparar o casamento, a relação com uma criança de sete anos ou faz uma declaração de amor apaixonada.


Existem alguns textos que nos perturbam, que nos falam das viagens ao inferno, das travessias no deserto. Dos medos, das inseguranças, da solidão, da sombra que nos habita. Expõe-se sem medo, acreditando sempre que o diálogo, a ausência de assuntos tabus é o melhor meio de encontrar o amor. Amor-próprio, amor romântico, amor por si só.


Leio o livro, e não me parece que a Joana ainda procure desenvencilhar-se daquilo que a incomoda. Percebo que utiliza esse material como uma fonte de auto-conhecimento, de crescimento e criatividade. Que descobriu que não somos feitos apenas de saquinhos de bem-estar, mas que luz e sombra se completam, quando temos coragem de nos aceitar como seres inteiros que somos. E que a realização vem daí, de fazermos o melhor de nós, com aquilo que somos em cada momento.


Os textos da Joana fazem-nos sentir isso. Que não faz mal sermos quem somos, que ganhar ou perder são faces da mesma moeda.


Termino com as suas palavras, de mais um dos textos.


Esquecemo-nos que na vida às vezes não estávamos preparados para ganhar, e isso fez-nos perder. O principal é pensar que quiseste aquele troféu como nunca quiseste mais nada na vida, que lutaste por ele da melhor maneira que sabias, com o material que te foi fornecido, e nas condições em que te encontravas na altura da competição, quem levou o troféu não foste tu, mas quem disse que não és um vencedor?


Quem disse que teres perdido esse troféu não foi o caminho necessário para ganhares tantos outros?


Estás aqui, és uma vencedora. Este é verdadeiramente o teu troféu. Parabéns!!!”


Élia Gonçalves (Apresentação do livro “Alguns anos depois…” no Onda Jazz em Lisboa)