sexta-feira, março 27, 2009

E tem dito...

E ele olhou para mim do alto daqueles óculos de aros pretos, com o seu ar calmo e complacente e disse:

“Olhe…faça o favor de ser feliz!”



sexta-feira, março 20, 2009

Eu agi sempre...

Eu agi sempre,
Eu agi sempre para dentro
Eu nunca toquei na vida.
Nunca soube como se amava...
Apenas soube como se sonhava amar.
Se eu gostava de usar anéis de dama nos meus dedos,
É que às vezes eu queria julgar
que as minhas mãos eram de princesa.
Gostava de ver a minha face reflectida,
Porque podia sonhar que era a face de outra criatura.

Extraído do Livro do "Desassossego" de Fernando Pessoa


terça-feira, março 10, 2009

O Meu Cão Dourado!





Tinha um “black dog”, mas um “black dog” daqueles que parece que nos persegue a todas as horas do dia, um “black dog” que foi aparecendo aos poucos, por inúmeros motivos e me deixou assim, acompanhada por um “black dog”.
O “black dog” aos poucos parou de estar sempre presente, era por fases, às vezes estava presente, mas volta e meia voltava, ocupava um lugar em mim e não me deixava ver mais nada, impossibilitava-me de ver o bom da vida e preencheu em mim uma névoa pessimista.
Comecei a conseguir manda o “black dog” dar uma volta ao bairro de vez em quando, deixava a porta aberta e mandava-o embora, ele partia mas voltava, até um certo dia em que tudo mudou.
Um dia mandei o “black dog” dar uma volta pelo bairro e enquanto aproveitava os momentos em que ele não estava presente um cão dourado entrou-me pela porta de casa e subiu a rampa. Um verdadeiro cão dourado, solitário, com manchas de óleo no pêlo e um ar perdido.
O cão dourado sentou-se ao pé de mim, pediu umas festas no focinho para compensar ter sido enxotado por uma vassoura da casa da vizinha. Ali ficámos os dois, sentados, com o mesmo ar perdido. Olhei para ele e disse-lhe que tinha mesmo ar de Jorge, e tinha, ele retribuiu o olhar e fitou-me de língua de fora.
Primeiro pensei que aquele cão dourado não era meu e devia ter o seu dono, de certeza, o meu cão era preto, um “black dog”, não fazia companhia nem olhava para mim com aquela expressão. Por isso mesmo mandei o Jorge seguir o seu caminho, disse-lhe que voltasse para o seu dono mas ele ali ficou, dia após dia acordava, abria a porta e lá estava o cão dourado com cara de Jorge a olhar para mim.
O Jorge tinha uma coleira gasta e que mostrava que vivia algures amarrado, uma coleira de pulgas e não preferia ir para nenhum lugar senão estar ali. O Jorge passeava pelo bairro mas voltava sempre, sempre para mim, chegava contente por me ver e sentava-se ao meu lado, focinho no meu colo.
O “black dog” nunca mais voltou, e quando entra em mim um pouco de solidão, descontentamento olho para o Jorge e lembro-me que se ele se salvou, conseguiu encontrar o seu rumo depois de se perder, conseguiu encontrar um porto de abrigo depois de ter sido abandonado, conseguiu ser feliz depois de ser enxotado e desprezado, tudo é possível. Todos podemos trocar um “black dog” por um Jorge, o cão dourado.